Fios Loiros

E os fios de seu cabelo sempre conversavam comigo. Os conheci um pouco sebosos, na escola do bairro ao lado. Era sete da manhã e logo já éramos como velhos e bons amigos. Em meu primeiro beijo, minhas mãos se afogavam nos fios loiros; acariciava sua nuca e alguns de seu fios colavam em minhas bochechas. E então nos tornamos íntimos. Noites de cinema, cochilos no sofá. Vi quando eles foram cortados como nunca antes e também quando receberam uma nova mecha. Até que um dia eles foram embora. Recebemos os resultados do médico; ela chorou, encharcando seus cabelos de lágrimas salgadas. Estava com ela quando vi todos os fios, de uma vez só, irem ao chão. Em seu lugar, ela usava lenços coloridos e leves, como de seda. Pensava, desde criança, nos dias em que veria os fios de seu cabelo, brancos como nuvens. Eles seriam fraquinhos e quebradiços e eu ainda os amaria. Seríamos como os dois bons velinhos do bairro. Passearíamos juntos; eu a ajudaria a amarrar seus cabelos e ela, a cobrir os meus com uma boina de couro. Mas nunca cheguei a vê-los esbranquiçados. Enterramos-a assim mesmo, com um de seus lenços favorito: Roseado com detalhes púrpuros. Na minha gaveta, o pacote de cabelos que ela queria doar, mas que nunca doei. O cabelo que mais amei na vida; os fios mais lindos e encantadores que já acariciei. Os fios louros dela, a menina que tanto amei.